A VERDADEIRA HISTÓRIA DO BRASIL? Veja a História contada de maneira diferente por Eduardo Kruschewsky

Eis, pois, ledor, o fruto de uma pesquisa que vinha fazendo há muito… Sem ser historiador, procuro traçar uma linha a mais próxima possível da realidade dos fatos e, com certeza, você também ficará curioso ao descobrir detalhes sobre fatos históricos que foram omitidos para tornar a História do Brasil mais palatável e próxima de alguns compêndios tradicionais.

Assim, eu o desafio a descobrir um Brasil muito ou meio diferente do que você conhece. Vamos passar à leitura?

 

UM BRASIL QUE POUCOS CONHECEM

(…) Meus heróis / Morreram de overdose/

Meus inimigos / Estão no poder(…)

(Cazuza em “Ideologia”)

  Dizia um amigo meu, de saudosa memória, que a História é constituída de mais exageros que realidade, afirmando mesmo que esta tem a proporcionalidade de 30% de fatos e 70% de criatividade, ficção. É muito comum vermos os detalhes de um fato narrados de maneira diferente por vários autores. No tocante ao assunto, considero que ele era partidário da frase “Quem conta um conto, aumenta um ponto”.  Na verdade, alguns livros de História exaltam as virtudes, as atitudes, a elegância, e outras coisas mais de nossos governantes e, como se diz na gíria, “enfeitam o pavão” vendendo uma imagem de sonhos e nos fazendo crer que a nobreza, de maneira especial, a que comandou o Brasil foi constituída de cavaleiros e damas muito bem vestidas e… cheirando bem. Mas, segundo alguns como Laurentino Gomes em sua trilogia da História do Brasil (1808 – 1822 – 1889) a realidade é outra, é mostrada de uma maneira mais crua e real.

Pois bem… Embora tenhamos sido “descobertos” em 1500, o Brasil só passou a ter vida própria em 1530, quando Portugal resolveu implantar aqui o sistema de Capitanias Hereditárias, sistema já testado anteriormente em Madeira, Cabo Verde e Açores com sucesso. O encarregado de administrar o sistema foi Martin Afonso de Souza e consistia em oferecer lotes (ou capitanias) para que o donatário arcasse com os gastos que eram da Coroa Portuguesa e, ainda, pagasse impostos. O sistema fracassou e em 1549, foi criado o Governo Geral do Brasil, sendo nomeado governador Tomé de Souza. Nascia, aí, o primeiro caso de nepotismo que se tem notícia no nossos país. Tomé de Souza trouxe com ele um filho natural chamado Garcia d’Ávila, e a este doou um imenso latifúndio, a Casa da Torre, dividindo o futuro Estado da Bahia e terras vizinhas com a Casa da Ponte, pertencente a herdeiros de Caramuru. proprietários de um imenso latifúndio porque Portugal, sabendo do jogo duplo de Caramuru, sempre o presenteava com mais e mais terras, numa tentativa de evitar traição, pois a costa brasileira vivia sendo infestada por piratas de todas as nacionalidades a quem Caramuru se vendia. Com a distribuição de lotes para quem deles quisesse cuidar, o nosso país passou a ganhar um novo impulso com a chegada de muitos portugueses e, busca do Eldorado de então: o Brasil…

A FUGA PARA O BRASIL – Séculos depois (nesta época se centra o nosso relato), em 1807, a Corte Portuguesa abandonou Lisboa e aqui aportou fugindo de Napoleão Bonaparte e trazendo o costume europeu de não cuidar da higiene pessoal, disfarçando os odores com perfumes e outros recursos… O primeiro monarca do Brasil, D. João VI, e sua família, não fugia à regra… Gordinho, glutão, feio, era uma figura indecisa e medrosa. Tinha verdadeiro horror de trovoadas, por aqui as tempestades de verão eram constantes, deixando qualquer audiência ou ato solene para se trancar na alcova real e, à luz de vela, ficava rezando para seus santos de devoção até que o tempo melhorasse… Mas, como a família real veio parar no Brasil?

O pusilânime D. João, indeciso e medroso, por diversas vezes, fora aconselhado a comandar o seu império a partir do Brasil, mas não demonstrava interesse, embora diziam as mais ilustres cabeças da Corte que a colônia, além de praticamente sustentar Portugal com a remessa de especiarias, diamantes e outras riquezas, estava muito bem localizada, estrategicamente colocada de maneira a dificultar uma invasão de quem quer que seja. E ameaça de invasão a Portugal era o que não faltava! Despreparado para o mister de governar, pois o verdadeiro herdeiro de Dona Maria, que fora interditada por estar louca, não era ele, mas sim D. José, seu irmão mais velho, que morreu ainda jovem ao contrair varíola. Assim, o jovem D. João teve que assumir o trono, obrigado a viver como se estivesse numa corda bamba, pois sofria constantes assédios da França e da Inglaterra. Mas, ia levando a vida. Como agir diante da ameaça de invasão por parte dos franceses? Só havia uma maneira de evitar o pior: ir administrando a questão e para isso, aproveitando do fato de que as notícias só chegavam bem atrasadas. Chegou a mandar um emissário à França, o Marquês de Marialva, dizendo que estava rompendo com a Inglaterra e propondo o casamento da nobreza portuguesa com a francesa. Desconfiado das muitas ofertas, Napoleão não acreditou no engodo português e mandou um exército invadir o território luso.

Sabedor da eminente invasão, o comandante da nação portuguesa tremeu nas bases e, sem sequer pensar na possibilidade de defesa, tratou de unir-se aos ingleses e fugir para a Colônia. Assim, no dia 29 de novembro de 1807, ocorreu a tão protelada partida… Foi um golpe terrível para o povo luso! De repente, aqueles que não partiriam se viram entregues à própria sorte, temendo a esperada chegada do exército francês que já estava a caminho.  Ressalte-se que, à época, Portugal era um país altamente monárquico e um dos mais atrasados da Europa em termos de política, enquanto países como a Inglaterra e a Holanda, por exemplo, abriam espaços para parlamentos populares. Em Portugal o rei criava as leis, as executava e dava a interpretação destas ao seu bel-prazer. Juízes e Câmaras municipais eram meros coadjuvantes: pois quando queria o rei, as decisões e opiniões destes se tornavam inócuas…

Naquele 28 de novembro, Portugal amanheceu desamparado e sem governo, entregue à cobiça de qualquer um que a invadisse e tomasse o poder.

Foi o medo da invasão que fez com a família real fugisse deixando para trás muitos portugueses e fazendo com que os que partiram deixassem abandonadas suas casas e seus bens. A covardia do Príncipe Regente apressou a partida, mas se houvesse ficado provavelmente teria vencido o exército francês que chegou a Lisboa maltrapilho, faminto, repleto de deserções pelo caminho e comandado por um oficial despreparado… 

Para os portuguieses foram meses de viagem. Mal alimentados, sujos e contraindo toda espécie de doença. As embarcações se desgarravam com facilidade, os nobres  alimentavam-se mal e a falta de higiene era uma prática generalizada, a água consumível era rara e o calor insuportável. Alimentavam-se de carne seca, carregada no sal e entre os muitos males, ocorreu uma epidemia de piolhos, o que fez com que Dona Carlota Joaquina e as damas da corte fossem obrigadas a raspar a cabeça e atirar ao mar suas pomposas perucas.  Para proteger-se do sol e esconder a cabeça raspada, as mulheres passaram a usar turbantes. Detalhe curioso: o fato fez com que, mais tarde, as mulheres do Rio de Janeiro passassem a usar a moda do turbante.

A CHEGADA AO BRASIL – A viagem foi atribulada e todos se reuniram na Ilha da Madeira em 11 de dezembro. Ali, Dom João VI, por iniciativa própria, resolveu que, antes de ir para o Rio de Janeiro, iria desembarcar em Salvador, onde pretendia reconquistar o povo baiano que andava insatisfeito com o fato de, em 1763, Portugal ter determinado que a capital do Brasil passaria a ser o Rio. Aportando na Baía de Todos os Santos em 22 de janeiro de 1808, a corte portuguesa pode ter a primeira demonstração do que era o Brasil: Ao pisar em terra, a comitiva real deparou-se com um cenário muito diferente do paraíso que Salvador parecia ser quando vista do mar: a cidade era suja, miserável e de um mau cheiro nauseabundo. Fezes eram jogadas na rua, havia lojas barulhentas e animais soltos. Mas, a comitiva foi recebida com festas que duraram cerca de um mês.  Antes de partir, o monarca tomou duas importantes medidas, entre outras: A abertura dos portos brasileiros às nações amigas e a fundação da Faculdade de Medicina da Bahia. Posteriormente, a corte partiu para a nova capital do Brasil onde chegou em 07 de março.

O Rio de Janeiro da época era uma cidade terrivelmente porca, mas possuía boas casas. Assim, tão logo chegou, D. João tratou de desapropriar alguns imóveis a serem ocupados pela Corte.

O nosso povo, de certa maneira, embora adotasse costumes que poderiam ser considerados selvagens, diferenciava-se dos nobres portugueses, incluso D. João e sua mulher D, Carlota Joaquina, no tocante ao asseio pessoal, a ponto de chamar a atenção de tantos que por aqui passavam. Tinham, sim, hábitos condenáveis em sua sociabilidade, uma vez que toda sorte de lixo era jogado no meio da rua, inclusive urina e fezes humanas. Era um perigo andar pelas calçadas, pois, de repente, alguém poderia arremessar pela janela excrementos, esvaziando os pinicos (urinóis) sujando os transeuntes. É que as casas não tinham sanitários e o uso do pinico era o costume.  As casas eram infestadas de ratos e outros insetos e não havia fossas higiênicas porque os lençóis freáticos eram muito rasos e poderiam ficar contaminados. Com o passar do tempo, as fezes passaram a ser jogadas no mar, conduzidas em barris de madeira à custa de escravos. Esta prática estendeu-se durante anos em cidades como o Rio de Janeiro (até 1860) e Recife (1882). Segundo alguns historiadores, o baixo custo da mão de obra, geralmente escrava, retardou em muito a criação de redes de saneamento nas cidades localizadas junto ao mar. É oportuno observar que muitas coisas em nosso país só se desenvolveram a partir da Lei Aurea, assinada em 13 de maio de 1888, pela bisneta de D. João VI, a Princesa Isabel.

Por ocasião do reinado de D. João, ainda em Portugal, este vivia separado de D. Carlota Joaquina (os dois se detestavam!) e ele acomodou-se no Palácio de Queluz, na cidade de Sintra, próximo de Lisboa. Depois, o monarca construiu um palácio em Mafra, levando consigo diversos frades, a moradia sendo quase que um convento. Este palácio era uma enormidade: tinha 264 metros de fachada, 5.200 portas e janelas, 114 sinos e foi construído por cerca de 45.000 homens. Aqui no Brasil, ele se instalou na Quinta da Boa Vista e ela em uma chácara próxima do Rio de Janeiro.

Voltando ao assunto da falta de higiene pessoal, D. João era, de fato, um desmazelado e, durante sua permanência (13anos) no Brasil, não se tem notícias de que ele houvesse se banhado, exceto na vez em que, mordido na perna por um carrapato que lhe causou uma inflamação, foi aconselhado a tomar banhos de mar sob a alegação de que a água salgada iria sarar o ferimento. Esquecidos, talvez, de que a água marinha era poluída pelo lixo e excrementos que os escravos atiravam na água. Mas, para o monarca, havia um problema maior que este: tinha medo de caranguejos e siris. Para evitar o possível contato, foi confeccionada uma espécie de tina, com pequenos furos que permitiam a água penetrar, permitindo a D. João cuidar da ferida. sem maiores receios

USOS E COSTUMES POPULARES – Era, pois, este o reino mal cheiroso do Brasil! Hoje em dia, para alguns incrédulos, parece incrível que o nosso Brasil houvesse sido assim. Independente da falta de banhos e outros recursos de higiene trazidos para cá, os nobres portugueses, haviam ainda hábitos populares horrorosos tais como o terrível costume de escarrar nas ruas. E o momento das refeições? Era algo de nojento! Em algumas casas, as refeições eram  feitas em mesas de armar (uma tábua sobre cavaletes) desarmadas após o comer e, não raro, era estendido um pano no chão. Ali só os homens usavam talheres. As mulheres se serviam com os dedos e as crianças, algumas deitadas se lambuzavam de comida. Era considerado um ato de amizade servir-se, metendo a mão no prato de um outro conviva, sem nenhuma noção de limpeza. Concluído o rega-bofe, as facas eram limpas nas toalhas e colocadas nas bainhas de couro às cinturas. Como não existiam refrigeradores, a carne fresca era uma raridade. As boiadas, viajando por estradas precárias, pereciam em grande parte no caminho por fome ou doença, ao chegar à cidade precisavam ser abatidos em matadouros imundos. Após a matança, as carnes eram salgadas e colocadas no sol. Mesmo alguma apresentando sinais de início de deterioração, elas eram postas à venda e depois consumidas já que para alguns “o sal mata qualquer tipo de vírus ou bactéria”, tornando possível o consumo. Vem daí a conhecida “carne do sol”, tão comum em nossas mesas. O mesmo processo era usado para o consumo de peixes e outras carnes como a suína, considerada bastante doentia. Possivelmente, este hábito provocou a famosa diarreia de D. Pedro às margens do Ipiranga…

Adaptar-se ao Brasil não foi difícil para a camarilha portuguesa afeita à falta de higiene. Aproveitando-se da escravatura, usavam mulatos e mestiços em serviços manuais. Dificilmente, via-se um branco exercendo funções com as de barbeiro, sapateiros, moleques de recado, artesões, vendedores ambulantes ou, até mesmo, carregando gente e mercadorias pelas ruas ou água em chafariz. As ruas eram bastante barulhentas, pois esta chusma não abria mão de trabalhar entoando cânticos, geralmente melancólicos, hábito este que se observa em alguns ambulantes nos dias de hoje. Por ocasião da permanência de D. João em nosso país, muitos foram os títulos e honrarias distribuídas, a maioria compradas. É que os agraciados enriqueceram com o aumento do comércio e, por vaidade, sentiam necessidade de justificar sua opulência com um título nobre… Mas, as desventuras populares eram muitas. A falta de higiene, a alimentação desregrada, a promiscuidade, o descuido ocasionavam muitas doenças tais como febres, males do fígado, disenteria elefantíase, sarna, erisipelas, pruridos, morria-se com frequência à mingua, uma vez que não existiam médicos formados em universidades. A medicina era exercida por barbeiros “práticos” que acumulavam junto com a profissão o mister de serem médicos e dentistas. O estoque das farmácias e boticas era, geralmente, constituído de emplastos, raízes, asas e outras partes de insetos, etc.

O COMEÇO DA EVOLUÇÃO NO BRASIL – O progresso foi chegando aos poucos: Embora aqui já existisse um jornal chamado “Correio Braziliense”, anterior à chegada da família real, editado em Londres-Inglaterra para evitar censura, foi criado um jornal, a Gazeta do Rio de Janeiro, rodado aqui em maquinas inglesas, para, apenas, falar bem do governo… As notícias de avanços acontecidos  desagradavam enormemente a Portugal. Na área de Educação, o Príncipe acresceu ao Ensino Básico existente e a cargos de religiosos, o ensino leigo e superior. Antes, tão logo chegou a Salvador havia criado a Escola Superior de Medicina. Mais tarde, escolas de técnicas agrícolas; laboratório de estudos e análises químicas e o curso de Engenharia Civil e mineração na Academia Real Militar.

Um fator importância contribuiu para o desejo de ser independente, como dissemos antes:  mal chegou à Bahia, o regente abrir os portos às nações amigas. Isto permitiria que o Brasil, também, negociasse sua própria mercadoria e surgisse a indústria brasileira, livrando-se, assim, de três séculos de monopólio português, quando eram permitidas a comercialização de apenas coisas industrializadas pelos portugueses. Três anos depois, em 1811, surgiu a primeira fábrica de ferro em Congonhas do Campo-MG e, logo em seguida, uma outra em Sorocaba-SP. Em 1815, o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido a Portugal. Na área de Segurança, foi criada a Intendência Geral da Polícia, uma espécie de Prefeitura e Secretaria de Segurança; o Erário Régio e o Conselho da Fazenda. Com a chegada dos primeiros livros que foram deixados no porto de Lisboa, na pressa da partida, foi instalada a Biblioteca Nacional que continuou a ser suprida de exemplares com a segunda e terceira leva de exemplares aqui desembargados. Fundou ainda o Museu Nacional e construiu o Real Teatro de São João.  A primeira companhia de navegação surgiu no norte do país e somente em 1818, foi inaugurada a navegação a vapor.

O Brasil caminhava claudicante, comandado por um governante acometido de vertigens e constantes crises de ansiedade, provocadas, principalmente, pela falta de afeto familiar. Foi quando, em 1821, ele resolveu partir apressadamente para Portugal aqui deixando seu filho D. Pedro. É que a situação na Corte lusa estava ficando insuportável com a formação de um Conselho de Regência para comandar Portugal em lugar do monarca. Além do mais, fora informado de que sua mulher, a Princesa Carlota Joaquina, achando que ele estava demente como a mãe, D. Maria, estava trabalhando nos bastidores para afastá-lo do poder, assumindo ela própria a regência de Portugal. Agindo rápido, conseguiu a tempo deter o golpe de Estado. Mas, mesmo assim, as cortes passaram a diminuir seu poder, principalmente por sua demora no Brasil.

Fazendo um balanço da gestão de D. João VI, se por um lado o Brasil e a sua nobreza e – por que não? – seu povo pouco afeitado à limpeza quase não modificou os hábitos, por outro lado ocorreram avanços políticos que iriam culminar com a independência do Brasil em 1822, patrocinada por seu filho, D. Pedro.

Este, por sua vez, não tinha um bom relacionamento com Portugal. Suas atitudes eram de franca afronta às determinações emanadas da Corte, à revelia de D. João VI,  tomando decisões que eram contra os interesses do Brasil, de maneira acentuada depois que foi determinado que as províncias brasileiras elegessem cada uma sua junta de governo e estas só obedecessem a governadores de armas, na verdade interventores militares ligados diretamente a Lisboa, como já ocorrera com Bandeira de Melo na Bahia. A exigência da volta do príncipe regente ao Reino de Portugal, sem sucesso, tinha também motivação no famoso episódio do “Dia do Fico”.

CONTROVÉRSIAS DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL – Em 1822, o Príncipe resolveu fazer uma viagem a São Paulo, deixando o governo entregue à Princesa com o aconselhamento do seu fiel servidor José Bonifácio de Andrade. Decorridas três semanas e, após passar por Santos, a comitiva de D. Pedro subiu a colina do Ipiranga com muito esforço, tendo por vezes de caminhar para não matar os animais de cansados.  D. Pedro havia comido algo que não lhe fizera bem, pois não haviam muitos cuidados com a alimentação e, como comentamos anteriormente, poderia ter ingerido carnes já apresentando sinais de putrefação. A indisposição estomacal provocou uma diarreia e o monarca foi forçado a fazer uma parada para aliviar as dores e a incontinência fecal. Permitiu que parte da tropa adiantasse a viagem até uma venda à beira da estrada, onde deveriam parar para refeição e descanso. Após isto, desmontou de sua mula, e não de um garboso cavalo como é retratado,  entrando num matagal à beira da estrada para satisfazer suas necessidades fisiológicas. Neste interim, chegaram dois mensageiros, exaustos e esbaforidos. Eram o Oficial do Supremo Tribunal Militar, Paulo Bregaro, e o major Antonio Ramos Cordeiro,  portadores de mensagens urgentes e preocupantes. Foi, então, que o chefe da nação, “pego com as calças na mão”, recebeu uma carta da Princesa Leopoldina pedindo que ele assegurasse atenção aos conselhos de José Bonifácio e outra deste pedindo providências imediatas pois tinha conhecimento da chegada de 7.100 soldados portugueses para juntarem-se a outros 600 que haviam desembarcado anteriormente na Bahia e dali iriam atacar o Rio de Janeiro. Bonifácio foi taxativo: “ou partir imediatamente para Portugal e lá ficar, como D. João VI, refém das cortes ou ficar e proclamar a Independência do Brasil, fazendo-se seu imperador ou rei”.

Preocupado e indignado, o monarca voltou à estrada. Existem algumas versões sobre o ato da Independência, mas nos parece mais verdadeira a do Padre Belchior, um religioso que acompanhava a comitiva, e relatou por escrito quatro anos depois do fato. Conta ele que Dom Pedro, tremendo de raiva, atirou os papéis no chão e saiu andando em silencio. Já no meio da estrada, parou de repente e disse:

“(…) —Padre Belchior, eles o querem, eles terão a sua conta. As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossa relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal”.

Respondemos com entusiasmo:

Viva a Liberdade! Viva o Brasil separado! Viva Dom Pedro!

O príncipe virou-se para seu ajudante de ordens e falou:

— Diga à minha guarda que eu acabo de fazer a independência do Brasil. Estamos separados de Portugal.

O tenente Canto e Melo cavalgou em direção a uma venda, onde se achavam quase todos os dragões da guarda (…)”  (GOMES, Laurentino – 1822 – p. 36,- Ed. Nova Fronteira Participações S.A.  – Rio de Janeiro – 2010.

Assim, graças a uma parada forçada numa estrada foi proclamada a Independência do Brasil.

Há um quadro famosos que retrata a Independência, pintado em 1884, 62 anos após o fato, o que nos leva a crer ter sido criação do pintor o ambiente retratado. Vejamos alguns detalhes nele contidos:

    1. Não há comprovação de que a casa pintada no canto superior direito da tela tenha, realmente existido naquele local. Talvez o inclusão do imóvel tenha ocorrido por confusão do pintor, uma vez que, no momento em que lhe atacou o mal estar, D. Pedro estava numa estrada e tinha despachado para um pouso próximo uma parte da tropa.
    2. O Grito do Ipiranga não aconteceu às margens do Rio Ipiranga, como é mostrado no quadro, mas sim no alto de uma colina, logo após uma crise de diarreia e não há comprovação de que ele estava montado no momento do grito.
    3. A comitiva do Rei era bem menor que a retratada.
    4. D. Pedro e sua comitiva não vestiam roupas de gala.
    5. Como já dissemos antes, D. Pedro não montava um cavalo mas, sim, uma mula, animal mais rústico bastante usado à época em viagens longas.

Estes e outros fatos que narramos anteriormente nos comprovam que alguns autores reconhecem o fato mas, por falta de documentação ou coisa que o valha, contam os detalhes como eles acham que deveria ter ocorrido…

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOMES, Laurentino – “1808” –Porto Editora. – Rio de Janei-

        neiro –  2007.

GOMES, Laurentino – “1822” – p. 36,- Ed. Nova Fronteira – 

       Participações S.A.  – Rio de Janeiro – 2010.

OLIVEIRA LIMA – “D. JOÃO VI NO BRASIL” – Typografia do

      Jornal do Commercio – Rio de Janeiro – 1908.

DEL PRYORE, Mary / VASCONCELOS, Renato – “UMA

       BREVE HISTÓRIA DO BRASIL” – Editora Planeta – São 

       Paulo –  2010,

SCHWARCZ, Lilia Moritz – “A LONGA VIAGEM DA

        BIBLIOTECA DOS REIS” – Companhia das Letras – São

         Paulo, 2002.

– Vários sites da Internet.

 

_____________________

EDUARDO josé  de miranda KRUSCHEWSKY –  Escritor, poeta e jornalista. Escreveu 11 livros, 3 HQs com tema histórico e um espetáculo teatral sobre Vinicius de Moraes, Presidente da Academia Feirense de Letras (por 5 gestões) e atual (biênio 2021-2022). Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana.