ADNIL FALCÃO – Aplausos para o Mestre (artigo)

DUAS PALAVRAS

 Todos os anos, Brasil afora, instituições ligadas à educação, universidades, escolas e professores promovem algum tipo de evento, para homenagear ANÍSIO TEIXEIRA (1900-1971), o grande educador brasileiro e baiano que, se vivo fosse, completaria, em 12 de julho próximo, cento e vinte e dois anos.

 Estimulada por uma exposição da professora Clarice Nunes, no Simpósio “Anísio Teixeira e sua Projeção Educacional além do Século XXI”, realizado pela Universidade de Brasília, no curso da 52ª Reunião Anual da SBPC, para celebrar o centenário do filósofo, fui acometida pelo desejo de prestar, também, o meu tributo ao exemplar servidor público.

 Celebrar, Anísio, pela data do seu aniversário de nascimento, ainda hoje, como bem assinalou Clarice, naquela ocasião, é reconhecer a permanência da sua obra e a sua importância para o debate de qualquer projeto, que tenha como foco a busca de desenvolvimento humano e social; 

 Celebrar, Anísio, nessa circunstância, é relembrar o seu destemor em defesa da liberdade de pensamento; é rememorar a sua luta cotidiana pela democracia e pela educação para a democracia; “é indignar-se, como ele se indignou, com o sucateamento dos serviços públicos; com a desonestidade dos interesses espúrios, que desviam verbas públicas e negam a justiça social como princípio; com a insuficiência da formação docente; com a qualidade do ensino público e com as condições de trabalho do professor; com a universidade, que continua a não priorizar a educação como objeto de pesquisa e de conhecimento, deixando, muitas vezes, de investigar as suas questões no presente;”

Celebrar Anísio, nesse ensejo, é, portanto, um convite à reflexão, um incentivo para pensar o momento histórico à luz das suas ideias e da sua experiência, e para buscar soluções concretas para os problemas educacionais na atualidade, principalmente, quando se tenta implantar mais uma reforma da educação no país.

Uno-me, pois, às homenagens ao educador, compartilhando o artigo a seguir, intitulado O Sonho Racional de Anísio Teixeira.  Construído há algum tempo, para acesso ao Mestrado em Educação Brasileira pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBa,  o  texto foi revisto e adaptado ás exigências do momento. É um artigo leve, atemporal, porque se insere na História da Educação Brasileira.  Evidencia o caráter revolucionário das ideias e proposições de Anísio para a Educação e para o Brasil e demonstra, que na defesa do seu projeto, ele não se conteve nos limites de rótulos ideológicos. Encarou, com galhardia e firmeza, os desafios impostos pelo livre pensar e pugnou, brava e intransigentemente, pelo ensino público universal, gratuito, laico, obrigatório e de qualidade.

Aplausos para o mestre!

  Feira  de Santana/2022

O SONHO RACIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA

I – APRESENTAÇÃO

 O artigo O SONHO RACIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA  tem como pano de fundo a dissertação de mestrado de Raquel Pereira Chainho Gandini, apresentada à Faculdade de Educação de Campinas e publicada sob o título Tecnocracia, Capitalismo e Educação em Anísio Teixeira (1930/1935).     

Na sua dissertação, a autora investiga os fundamentos do pensamento do educador, analisa as linhas teóricas que ele propôs para as instituições escolares públicas e o sentido de que se revestiu em termos da sociedade política. Embora reconheça que ,  “enquanto representante de uma época e dentro das limitações a que esteve sujeito, não se pode negar à  Anísio Teixeira a condição de pioneiro  na realização de críticas à sociedade e à  educação tradicionais” (p.217),  Gandini caracteriza-o assim: “… pensa como um liberal conservador americano e age como um funcionário-intelectual latino-americano, no melhor sentido e com todas as suas limitações: procura promover a democratização da escola por decreto” (p.13). Para concluir: “ter em mente esses aspectos positivos, ao lado dos negativos, não significa, porém, adotar o relativismo como conclusão. Significa, isto sim, a preocupação de, conhecendo ambos, estar em condições de superar Anísio Teixeira e o que ele representa. Antes de seguir os passos de uma “vida exemplar”, cabe perguntar: “ O vanguardista  está  na ponta  de  qual  corrida? (p.218)

Considerando que as conclusões de GANDINI são unilaterais, implicam juízo de valor e, sobretudo, nega a importância de ANÍSIO TEIXEIRA na dimensão histórica da educação nacional, pretendemos, ao contra-argumentar, responder ao questionamento final da autora, tomando como base a linha utópica do pensamento do educador.

O artigo, com subtítulo de – OS GERMES DO PENSAMENTO E DA AÇÃO – está dividido em três partes: UTOPIA, IDEOLOGIA e REALIDADE. Na primeira, a partir dos conceitos de utopia e ideologia, propostos por David Riesman e adotados por Anísio, mostramos que a adesão do educador ao liberalismo pragmático de John Dewey e a sua pedagogia da Escola Nova, não se fez de forma acrítica, mas contextualizada. Nas outras duas partes, apresentamos, de maneira sintética, os determinantes histórico-filosóficos que embasaram a nossa reflexão, comentando a atuação de Anísio Teixeira e a sua passagem por cargos públicos, no período de 1930 a 1935, fixado por Gandini, terminando por contestar a acusação que lhe é feita de “promover a democratização da escola por decreto”.

Dadas as limitações de espaço e tempo, trata-se de uma abordagem simplificada, com características reducionistas, que poderão ser ultrapassadas com um aprofundamento posterior. Tal fato, porém, não chega a comprometer o nosso propósito de mostrar que a obra e as ideias de Anísio Teixeira, embora passíveis de aperfeiçoamento como qualquer criação humana, apresentam, em seu conjunto, colocações fundamentais e, nesse sentido, permanentes e insuperáveis.

 II – OS GERMES DO PENSAMENTO E DA AÇÃO

Qualquer esforço para compreender o pensamento e a ação de Anísio Teixeira, necessariamente, tem de partir do entendimento dos conceitos de UTOPIA e IDEOLOGIA. Não “no sentido preciso com que os emprega Manheim”, como diz Anísio, em seu livro Educação e o Mundo Moderno (1977,p.166), “mas com a alteração sugerida por David Riesman, jovem pensador americano.

Para Riesman, UTOPIA é “um conjunto de crenças racionais, de interesse, no fim de contas, da pessoa que as alimenta, numa realidade potencial embora não existente; tais crenças não devem violar nada que saibamos sobre a natureza, inclusive a natureza humana, embora possam extrapolar a presente ideologia e devam transcender a presente organização social”. Já IDEOLOGIA  é “um sistema irracional de crenças, alheias, no fundo, ao interesse da pessoa que as aceita, mas a que esta pessoa adere sob a influência de algum grupo, em virtude de suas próprias necessidades irracionais, inclusive o desejo de submeter-se ao poder do grupo doutrinador”

Anísio Teixeira complementa esses dois conceitos, afirmando: “Toda utopia pode ter germes de erro, que a podem levar até a ideologia. E   toda    ideologia     tem germes de verdade, que lhe emprestam a aparente plausibilidade, indispensável à obra de sua doutrinação”.

  1. A UTOPIA

Uma das características mais marcantes da obra de Anísio Teixeira é a importância que ele confere à perspectiva histórica na análise dos fenômenos sociais, políticos e educacionais, numa teia de intricadas relações, que dá ao seu pensamento profundidade e transcendência. O conhecimento do processo de evolução da humanidade e a consciência das grandes transformações operadas na sociedade pelas revoluções industrial e científica, levaram-no à busca de uma filosofia, capaz de servir de norte ao problema de organização do modo de vida democrático no Brasil. Aluno de John Dewey, nos Estados Unidos, Anísio encontrou, na filosofia do mestre, os fundamentos de um projeto de RECONTRUÇÃO SOCIAL PELA ESCOLA.

O princípio básico desse projeto consistia em criar na escola uma projeção do tipo de sociedade que se desejava realizar e, gradativamente, ir formando pessoas orientadas para o modelo desejado, que a sociedade, por certo, passaria a reproduzir. Tratava-se, portanto, de obter uma mudança na qualidade da atitude mental da sociedade, o que só seria possível pela educação. Concebido, mais especificamente, para a sociedade americana, esse projeto foi adotado por outros países, inclusive a Rússia, durante a vida de Lênin (CUNHA, A Universidade Temporã. 1986 ,p.259).

A opção de Anísio Teixeira pelo projeto pedagógico de Dewey, assim, não se fez de forma “acrítica” ou porque “ pensasse como um liberal americano”, mas a partir da experiência americana, com olhos brasileiros.  Tinha convicção de que, tomando daquela filosofia e da ideologia que lhe dá suporte – a liberal – os princípios orientadores, também o Brasil poderia responder aos desafios impostos “pelas novas condições científicas e sociais e pelas formulações recentes da filosofia contemporânea” (TEIXEIRA, Educação e o Mundo Moderno, 1977, p.25).

Atento à resistência que, geralmente, a educação institucionalizada em escola oferece às novas ideias e teorias, exigindo tempo e luta para a sua implantação, e as condições particulares do desenvolvimento brasileiro, cujo modelo de educação refletia aquele que lhe deu origem – o europeu – Anísio formula aquilo que consideramos a sua UTOPIA:

“Também aqui, na medida em nos fizermos autenticamente nacionais e tomarmos plena consciência de nossa experiência, iremos elaborando a mentalidade  brasileira  e  com  ela  a  nossa  filosofia  e  a  nossa  educação”  (IBIDEM, p. 25).

  1. A IDEOLOGIA

 “A grande regra de ouro – hoje abandonada – dessa atitude é a independência do pensamento humano.  Engajado, sim, mas engajado nessa independência, ou seja, na exclusiva dependência das regras desse pensamento, livre como o ar. Não  tenhamos medo de pensar, nem permitamos que alguém nos ameace contra esse privilégio de pensar independentemente e livremente. Não receiemos combater ideologias, sempre que estas julgarem que podem ser impostas pela força ou pela chantagem de nos chamar de vendidos à ideologia adversária. O pensamento humano é demasiado sério para ser entregue à farsa desse conflito de interesses” ( IBIDEM, p.178).

     2.1  LIBERALISMO, CAPITALISMO  E  ESCOLA

           O liberalismo desempenhou papel significativo no processo de crescimento social, na medida em que sustenta as ideias fundamentais de liberdade, igualdade, democracia, propriedade e individualismo, correspondendo, na sua formulação, às condições de um momento histórico. Surge ao mesmo tempo em que começa a florescer o espírito capitalista e, nessa circunstância, encontra os elementos de suas contradições internas.

     O liberalismo, na sua evolução e a depender do tipo de revolução burguesa verificada, originou regimes autoritários e democráticos. Por sua vez, o capitalismo, ao qual a doutrina e a prática liberal estão intimamente ligadas, deu origem a diferentes tipos de Estado capitalista, conforme as formas específicas que assumiram as relações entre o econômico e o político.

       Na verdade, ao longo do tempo, operou-se uma separação entre o processo democrático de vida e o processo de revolução industrial e científico, levando os países considerados liberais a promoverem uma revisão do liberalismo “puro”, dando origem, então, ao liberalismo moderno. Este, defendido, entre outros, por Dewey, propõe uma solução coletiva para a realização da liberdade individual e apoia-se no Estado. No conceito de Estado estão implícitos dois outros conceitos: comunidade e democracia. Aquela, como uma sociedade sem classe, mas com grupos de interesse conflitantes e, esta, como forma política em que predomina a razão (GANDINI, pp.29/32).

        É essa nova conceituação de liberalismo que, adotada pelas inteligências mais lúcidas de nosso tempo, vem caracterizar os Estados democráticos modernos, e é, sem dúvida, a visão e a postura liberal de Anísio Teixeira.

    Ora, a sociedade, para subsistir, precisa reproduzir as condições de produção ao mesmo tempo que produz. Para isso, cria os mecanismos sociais que deverão assegurar a sua reprodução. Nesse contexto, o Estado é o elemento de  manutenção e reprodução da sociedade, competindo-lhe garantir a reprodução dos meios e condições de produção. Entendam-se condições de produção como todos  os elementos econômicos e culturais (infraestrutura e superestrutura do modelo Marxista), indispensáveis para que a produção se mantenha e se reproduza. Entre esses elementos, está a força de trabalho, que é o que nos interessa mais de perto para compreensão do papel da escola. A reprodução da força do trabalho se dá em dois níveis: o biológico (quantitativo) e o cultural (qualitativo). A reprodução quantitativa é assegurada pelo salário, enquanto que a cultural é garantida por meio de mecanismos que assegurem a reprodução qualitativa da força de trabalho (PAIVA, Vanilda,1973).

Entre nós, também a escola se tornou o principal instrumento utilizado pelo Estado para a reprodução qualitativa da força de trabalho. Assim, é dela, que o Estado lança mão para otimizar o sistema produtivo, e para inculcar valores que garantam a reprodução comportamental compatível com a ideologia dominante.

Ressalte-se, contudo, que Anísio não encara a escola apenas como instrumento de reprodução e consolidação dos valores dominantes, mas lhe agrega, firmemente, a convicção de que a educação pode e deve contribuir para transformar as estruturas sociais. Para ele, a escola pública, comum a todos, é “um direito do povo, sobretudo das classes trabalhadoras, para que, na ordem capitalista, o trabalho (…) não se conservasse servil, submetido e degradado, mas igual ao capital na consciência de suas reivindicações e dos seus direitos” ( TEIXEIRA, Educação Não é Privilégio. 1968, p.54). Na visão de Anísio, a escola pública e o sindicato livre são pontos fundamentais para a realização do capitalismo, bem como, “o remédio e o freio para os desvios que o tornariam intolerável ”(IBIDEM,p.55).  É a partir desse entendimento, no qual está implícito o reconhecimento da tendência natural da sociedade capitalista em perpetuar os privilégios através da educação, que Anísio Teixeira adere ao modelo pedagógico de Dewey- A PEDAGOGIA DA ESCOLA NOVA-   defendendo as seguintes premissas:

– O liberalismo moderno apoia-se no Estado como  elemento  de  reprodução  do modelo democrático que deseja viabilizar, não questionando a sociedade  capitalista em sua essência, e  sim, quanto ao seu funcionamento interno. O que se busca é a reconstrução social pela mudança da qualidade da atitude mental da sociedade;

 –   A mudança da qualidade da atitude mental da sociedade cabe à educação, a quem é atribuído o papel de aparelho de equalização de oportunidades econômicas e sociais, através da habilitação do indivíduo para participar do processo de vida democrático, na medida dos seus valores individuais;

                           

–  A mudança da qualidade da atitude mental da sociedade  exige tempo, esforço e luta, mas  pode ser obtida pelo uso da técnica e do método científico do pensamento, de forma pacífica, revolucionária, mas não radical.

À crítica de que, atribuir à escola a responsabilidade de correção das desigualdades sociais é não questionar a ordem econômica desigual, perpetuando, assim, os valores dominantes, cabe o argumento de que, na educação, está o germe das  mudanças sociais que, enquanto mudança de percepção do mundo, não exclui, por via de consequência, a transformação da própria ordem econômica.

  1. A  REALIDADE

3.1 O CONTEXTO SOCIAL ( Décadas de 20 e 30)

As décadas de 20 e 30 no Brasil foram, sem dúvida, períodos efervescentes e ricos de incertezas, caracterizando-se pela busca de alternativas para os diversos setores da sociedade em processo de mudança. No plano econômico, a ideologia do “agriculturismo” é substituída pela ideologia do “nacionalismo desenvolvimentista”, com características liberais, e tendo como suporte a industrialização. Além de galvanizar o espírito nacionalista, a industrialização trouxe consigo uma série de dificuldades – migração interna e externa, não absorção da mão de obra rural, a urbanização com seus problemas de desemprego, moradia e miséria – que levaram a uma maior articulação dos trabalhadores e à inauguração de um novo estilo de governo: o populismo.

Paralelamente às transformações da área econômica, tem início um movimento generalizado com o objetivo de romper a hegemonia das oligarquias rurais. As mobilizações populares, levantes e ações armadas se sucedem. Fortalece-se a incipiente burguesia industrial e a educação é usada como instrumento de luta pelo poder. Às oligarquias não interessava a educação do trabalhador, o que diminuiria as oportunidades de manipulação. Já a burguesia, pelo contrário, via na educação uma forma de equilíbrio do poder político, na medida em que aumentaria o eleitorado urbano, além de melhorar a qualificação de mão de obra para a indústria.

Jorge Nagle (Educação e Sociedade na Primeira República. 1976, p.99) refere-se a essas mudanças sociais, assinalando o surgimento de duas posturas na área da educação: “o entusiasmo pela escolarização e o otimismo pedagógico”.

O que foram esses movimentos? O primeiro, de caráter eminentemente político-eleitoreiro, visava a expansão quantitativa do ensino, como forma de eliminação do analfabetismo, considerado  “vergonha nacional”.  O segundo, reunia os chamados “profissionais da educação”, centrando suas atenções no aspecto técnico do ensino. Essa tecnificação do ensino e a preocupação apenas  com a    modernização interna do sistema,   relegaram   a   educação a mera  formulação de conceitos pedagógicos, desconsiderando a sua função transformadora, o que veio a se constituir a principal característica do “otimismo pedagógico”. O fato de Anísio ser identificado como um dos integrantes desse movimento (foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova em 1932)  não significa que ele tenha limitado suas preocupações aos aspectos técnicos da educação.  Afora algumas afirmações  que podem ter fortalecido, no contexto, o “otimismo pedagógico, o que encontramos, em sua obra, são análises lúcidas e apropriadas do fenômeno educativo, em suas diversas dimensões.  Não se pode esquecer que a melhoria do ensino, em Anísio, está intrinsicamente ligada ao exercício da liberdade.

 

3.2 –  A  ATUAÇÃO  DE  ANÍSIO  TEIXEIRA

Gandini (p.13) caracteriza Anísio Teixeira como “funcionário-intelectual, promotor da democratização do ensino via decretos, usando como argumentos, entre outros, a sua formação escolar (Direito) e a sua passagem por cargos públicos. (No período de 1931/1935, Anísio Teixeira ocupou a Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, cargo que assumiu à convite do prefeito Pedro Ernesto Batista. No exercício da função,  promoveu ampla reforma educacional, que atingiu desde a escola primária até a secundária e a educação para adultos. Criou, também, a  Universidade do  Distrito Federal  para  pensar, prioritariamente, a educação, dar suporte  ao processo de aperfeiçoamento docente e responder aos desafios do desenvolvimento nacional ).

Às críticas apontadas por Gandini, cabe contra-argumentar com o próprio Anísio:

“Com a chegada da democracia e a consciência da emancipação política atingida, afinal, pelo povo brasileiro, temos de repensar todos os nossos problemas de organização e entre eles, a educação”. E pergunta: “Como fazê-lo, entretanto, em pleno tumulto econômico e político, assaltado por oportunidades de toda ordem e com os quadros de direção ocupados por elementos de uma geração sob influência de negações à democracia, por isso mesmo, sem consciência perfeita das necessidades da nova ordem em vias de se estabelecer e, ainda mais, sem nenhuma experiência dos esforços feitos por outros povos para a realização de conquistas semelhantes?” (TEIXEIRA, Educação não é Privilégio.1967, p.66)

Esse tipo de inquirição evidencia a sua preocupação com a mudança da qualidade da atitude mental dos governantes e a luta que ele travou nos quadros do Estado para tanto. A prova disso é que, apesar de defender a industrialização e as ações modernizadoras do sistema educativo, não compactuou com o ESTADO NOVO. Demitiu-se do cargo que ocupava, em 1935, por discordar dos rumos autoritários que tomava o Governo.  

O que fazer diante dessa realidade? É ainda Anísio que responde:

 “Temos, primeiro de tudo, de restabelecer o verdadeiro conceito de educação, retirando-lhe o aspecto formal, herdado de um conceito de escolas    para o privilégio, e por isto mesmo, reguladas apenas pela lei e por toda a sua “parafernália formalística” e caracterizá-la, enfaticamente, como um processo de cultivo e amadurecimento individual, insusceptível de ser burlado, pois corresponde a um  crescimento orgânico, humano,  governado por normas   científicas e técnicas, e não  jurídicas…”( IBIDEM)

Dois fatos importantes destacam-se nessas afirmações. Primeiro, o seu comprometimento incondicional com a relação democracia/escola, usando os cargos públicos  como  instrumento  de  luta  no  difícil  e moroso trabalho  de  mudança da qualidade da atitude mental da sociedade, na construção da MENTALIDADE BRASILEIRA,DA SUA FILOSOFIA E DA SUA EDUCAÇÃO. Segundo,  a sua repulsa à educação imposta por decreto. Aliás, a acusação feita a Anísio sob esse aspecto, além de improcedente, é tendenciosa. O decreto, quando existe, atende apenas a uma necessidade organizacional, e não condiciona a qualidade da escola em sua função educadora. É clara, em toda formulação de Anísio Teixeira, a sua busca pelo conteúdo da ação de educar, e não pela sua forma. Realmente, é a  liberdade que preside todo o pensamento do educador, sempre rebelde às restrições formais. A organização e a forma, porém, são consubstanciais à sociedade. Cumpre reconhecê-lo.

III – CONCLUSÃO

Apesar de reconhecermos, nas argumentações de GANDINI, “germes de erro na utopia”, discordamos da sua afirmação de que conhecer os aspectos positivos e negativos do discurso e da prática de ANÍSIO TEIXEIRA é estar em condições de superá-lo e ao que ele representa. Concordar seria negar a permanência dos princípios por ele defendidos e a contribuição real, efetiva, trazida por Anísio, ao desenvolvimento da educação no Brasil. Concordar seria negar a lição de busca, de persistência, de reflexão, de procura de caminhos, de humildade científica, que  ele nos legou, e que só encontramos naqueles que conseguem transcender. Concordar seria negar a esse vanguardista a ponta da corrida da verdade, que para ele estava na relação educação/democracia. Concordar seria negar-lhe a coerência, o que faz da sua “práxis” o mais vivo exemplo de opção político-filosófica consciente. Finalmente, concordar seria não ouvir o seu apelo de confiança no homem, na sua capacidade de superar-se, no uso da inteligência para transformar a realidade, não pela força, mas pelo domínio da cultura, pela luta entre “O SONHO RACIONAL (utopia) e a REALIDADE, aquele sempre mais e mais próximo, mas nunca atingido…” (TEIXEIRA, Educação e o Mundo Moderno. 1977, p.179).

                                                                                                       

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