CONHEÇA A HISTÓRIA DE MARIA FELIPA, HEROÍNA BAIANA, contada pelo acadêmico Eduardo Kruschewsky

 

(Este artigo foi publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana – Número 15 )

 

UMA MULHER, UMA SAGA E A FALTA DE RESGATE DA NOSSA HISTÓRIA
(Eduardo Kruschewsky)

Mesmo tendo sua história contada de geração a geração pelos habitantes de Itaparica, Maria Felipa foi tida como bandoleira, durante anos e anos, por ser negra, mulher e pobre. Se por um lado, a população da ilha se enchia de orgulho, por outro havia o medo de sofrer represálias, a ponto de Dona Zizi, nativa da ilha de Itaparica e uma das suas bisnetas, acreditar que seria presa se contasse a estranhos as façanhas de sua antepassada…

MAS, QUEM FOI MARIA FELIPA?

Sua história estaria fadada ao esquecimento se, a partir de 2005, pesquisadores que estudaram a vida da personagem, não houvessem feito um trabalho de reconstituição histórica, incentivado pela prefeitura local de Itaparica-Bahia. Para isto não faltaram documentos raros, encontrados em arquivos dentro e fora da ilha e, assim, fazendo surgir, embora ainda cercada de mistérios e lendas, a história de uma verdadeira heroína que parecia condenada a ficar “deitada eternamente em berço esplêndido”, sem ser revelada para o mundo.
Diziam os mais antigos que Maria Felipa era uma bela mulher! Nascida na Ilha de Itaparica, era muito atraente e, além do elegante porte físico, conhecida como valente e possuia habilidades de capoeirista. Descendente de africanos sudaneses, vivia da comercialização de mariscos. Tinha, então, na época da Guerra pela Independência da Bahia, a idade presumida de 22/23 anos. Esta mulher simples é um dos alicerces da liberdade em nosso país… A sua referência até pouco tempo atrás era feita através de algumas narrativas populares.
Apenas alguns autores (os primeiros a se referirem a ela eram ilhéus, também nascidos na ilha) contribuiram para avivar a memória desta formidável mulher. São eles: Xavier Marques (Itaparica, 3 de dezembro de 1861 — Salvador, 30 de outubro de 1942) no seu “Sargento Pedro” (1910); recentemente, Eny Kleyde Vasconcelos de Farias, professora da UFBA, em “Maria Felipa de Oliveira – A Heroína Negra da Independência” (2010), além de João Ubaldo Ribeiro (Itaparica 23 de janeiro de 1941 – Rio de janeiro-RJ, 18 de Julho de 2014), que se inspirou nela para compor a personagem Maria da Fé, no seu “Viva o Povo Brasileiro” (1984). Quem primeiro, literariamente, se referiu à nossa heroína foi o pesquisador Ubaldo Osório, avô de Joáo Ubaldo. Osório ao pesquisar a marisqueira ficou tão impressionado que, além de imortalizá-la em seu “A Ilha de Itaparica” (livro sem referência de data de publicação), batizou uma das suas filhas como Maria Felipa. Esta viria a ser a mãe de João Ubaldo…
Sempre de saias rodadas, torso sobre a cabeça e sandálias, ela figura entre os heróis da luta pela liberdade em nosso país, sendo considerada a “matriarca da Independência de Itaparica”.
Estive, a passeio, na Ilha de Itaparica e, atraído pelo mistério que cerca a história da Ilha, fui conhecer o Forte de São Lourenço, construído em 1631, por ocasião das invasões holandesas.
Lá nos ciceroneou um guia que nos contou um pouco da história da resistência do povo ilhéu e da importância estratégica da ilha em relação à capital do Estado, Salvador, daí a sua construção. Em 1647, o forte foi ocupado pelos neerlandeses, que fizeram dali uma base para ataques a Salvador. Fustigados pelos portugueses, em 1648, não sem Inscrição encontrada na entrada do Forte de São Lourenço, antes destruir as fortificações, os invasores se retiram para Recife.
Só em 1711 é que o forte foi recuperado, por ordem do Vice- rei D. Pedro Antônio de Noronha Albuquerque e Souza. Finalmente, após 45 anos fechado, a prefeitura de Itaparica, reformou inteiramente o forte e transformou-o num museu em homenagem à Independência da Bahia (embora com pouco material ainda, vale a pena a visita). Localizado na ponta da Baleia, extremo norte da ilha de Itaparica, atual Praça Getúlio Vargas s/n. ao chegarmos vemos à porta da do forte, encontramos placa do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia em memória dos heróis da Independência, da Bahia, além de um painel em azulejo, que reproduz parte da obra de Ubaldo Osório.

MARIA FELIPA E SEUS FEITOS HEROÍCOS

Maria Felipa, liderando 40 valentes mulheres, aproximou-se da Praia de Manguinhos, onde estava ancorada a Canhoneira Dez de Fevereiro. Era o dia 1º de outubro de 1822, e este dia ficaria marcado por ter acontecido o primeiro dos seus ataques às 42 embarcações portuguesas. Chamou duas das suas comandadas e ordenou que estas se aproximassem dos vigias da canhoneira,os portugueses Araujo Mendes e Guimarães das Uvas. Esbanjando feminilidade as nativas se aproximaram do navio e seduziram os vigias, conduzindo-os para um local um pouco distante, entre beijos e carícias. Ao tirar as roupas, foram surpreendidos pelo grupo de mulheres que os surraram com galhos da planta conhecida como cansação, repletos de espinhos. Após acabar com a vigília dos invasores, tomaram o navio de surpresa, enquanto a maioria dos tripulantes dormia e atearam fogo à embarcação.
Depois do sucesso desta missão, as mulheres lideradas por Maria Felipa ganharam a companhia de homens nativos e partitam para a destruição das embarcações portuguesas, ancoradas nas imediações da ilha, aguardando a ordem para invadir Salvador e reprimir as ações pela independência baiana. Sorrateiramente, os guerrilheiros se aproximaram dos navios e os incendiaram, causando baixas significativas no exército português.
Incansável, Felipa estava sempre à frente do seu pequeno exército nativo. Conta-nos Xavier Marques em seu romance “O Sargento Pedro” que os homens estavam se preparando para um ataque português cavando uma trincheira na praia, iluminados apenas por uma tocha em mãos de Maria quando um deles disse: “- Estou cavando a minha cova!” ao que, de pronto, a mulher respondeu: “- Cave, não para ser a sua cova, mas a dos portugueses…”
Ela estava em todos os lugares à frente dos seus combatentes. Além dos feitos de batalha, ela ainda distribuía mantimentos tomados dos inimigos para cidades do Reconcâvo, como Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus, Amargosa, Nazaré, Salinas das Margaridas, Cruz das Almas e outras. Portando peixeiras e galhos de cansanção, e incendiando navios com tochas feitas de palha de coco e chumbo, à falta de armas mais eficientes, tornando o povo itapacaricano fundamental para a Independência da Bahia e do Brasil. O bando era um grupo de mulheres e homens de diferentes etnias.

HISTÓRIAS E LENDAS

Uma das histórias que lembram a heroína deve aqui ser contada:
Antiga imagem de Nossa Senhora da Piedade foi trazida para a ilha e depositada em um nicho na praia pelo Visconde do Rio Vermelho. Nossa Senhora da Piedade era a protetora dos pescadores, marisqueiras e de toda a população pobre da ilha. Em todos os momentos: Antes de ir pescar, quando os filhos nasciam, na hora da morte, os ilhéus pediam socorro à santa. Contam os mais entusiasmados, o que naturalmente se tornou uma lenda itaparicana, que Nossa Senhora, em pessoa, lutou contra os portugueses em defesa do povo ilhéu. Lendas ou não, quando o visconde morreu, seus descendentes quiseram tirar a imagem do seu nicho na pedra, onde se encontrava por gerações e gerações. Quando os soldados da polícia quiseram cumprir as ordens de sequestro da santa, Maria Felipa e suas seguidoras se postaram diante da imagem e – dizem! – faltou coragem aos militares para tirar Nossa Senhora da Piedade do seu lugar. Aliás, a santa ainda está lá no altar da capela construída em honra da padroeira…
Relatam ainda sobre esta mulher que ela remava sua canoa até o Cais Dourado, em Água de Meninos, Salvador-Bahia, para jogar capoeira, e que nas rodas, ficava sabendo das novidades sobre a guerra, levando as informações de volta à resistência em Itaparica. Quanto ao seu rosto desconhecido, quem o reconstituiu foi a artística plástica Filomena Orge, e o fez a partir de memórias narradas, citações literárias e arqueologia.
Um detalhe curioso que se parece muito com a narrativa de vida de Maria Quitéria: Também é desconhecida a data em que Maria Felipa nasceu, sabe-se. apenas, que ela faleceu no começo do ano de 1873.

CONCLUSÃO

O atestado de óbito de Maria Felipa é datado de 04 de janeiro de 1873, 49 anos após o seu primeiro feito heroico: o incêndio da canhoneira Dez de Fevereiro, em 01.10.1822… Isto nos faz ver que, após a luta da Independência, ela continuou a levar sua vida simples de marisqueira na ilha, até morrer. Como foi para o anonimato após todos os seus atos de heroismo,, pensava-se que havia falecido na guerra. Mas, a mulher simples, negra e pobre sobreviveu às batalhas e, tempos depois, teve uma filha, também chamada Maria Felipa, que era parteira e tornou-se avó de dona Zizi, a quem nos referimos no começo da narrativa. O ano exato e as circunstâncias do seu nascimento continuam um mistério. Ninguém sabe se foi uma negra alforriada, uma escrava ou se nasceu livre. Para o povo itaparicano ela nasceu, provavelmente, livre. Isto se supõe pelo fato de ter se oferecido como voluntária para espionar as tropas portuguesas e por sua atuação na resistência e luta pela liberdade da pátria…

REFERÊNCIAS
INTERNET
http://osheroisdobrasil.com.br/herois/maria-felipa-a-heroina- negra-da-independencia/ https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Filipa_de_Oliveira https://mardehistorias.wordpress.com/2009/07/03/maria- felipa-guerreira-de-itaparica/

https://revistaraca.com.br/saiba-quem-foi-maria-felipa/ https://www.cultura.ba.gov.br/2010/09/937/Livro-conta- historia-da-heroina-negra-Maria-Felipa.html

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EDUARDO KRUSCHEWSKY é jornalista (DRT 2141), poeta e escritor. Membro do IHGFS e da Academia Feirense de Letras onde exerce o cargo de vice-presidente.