INSTALAÇÃO DA UEFS – O acadêmico Geraldo Leite nos conta como surgiu a UEFS.

AQUI O NOSSO CONFRADE GERALDO  LEITE NOS CONTA COMO FOI A INSTALAÇÃO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA, DA QUAL ELE FOI O PRIMEIRO REITOR…

O ARTIGO A SEGUIR FOI PUBLICADO NA REVISTA DA  ACADEMIA FEIRENSE DE LETRAS (N.07) EM  2012.

 

    OS PRIMEIROS VAGIDOS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

Corria o ano de 1968…

Embora residindo em Salvador, acompanhava com interesse os acontecimentos de Feira de Santana, sobretudo aqueles ligados ao ensino superior.

Convivendo no meio acadêmico, a oportunidade seria maior para a concretização do sonho de ver em Feira uma Universidade. 

Meu entusiasmo cresceu quando vi medrar em solo feirense a Faculdade de Educação, com os cursos de Letras, Ciências    Estudos Sociais.

Tomei contato com o denodado batalhador das causas feirenses, o deputado Wilson da Costa Falcão, e percebi que continuava vivo em sua pessoa o sonho que junto alimentamos, em companhia de Fernando Pinto de Queiroz e outros idealistas.

Face a grandiosidade do projeto, optamos pela estratégia de pleitear uma Faculdade de Medicina para, em seguida, chegarmos à Universidade.

Considerando que o Prof. Alexandre Leal Costa era presi- dente do Conselho Estadual de Educação e os professores Urcício Santiago e Alberto Serravalle ofereciam apoio à iniciativa, busquei a colaboração de outros professores.

Em   companhia   de   Wilson Falcão, fiz contato com o Reitor

Roberto Santos. A ele transmitimos nosso plano.

De qualquer modo a estra- tégia estava montada: se a Faculda- de fosse estadual, contaríamos com o Prof. Alexandre Leal Costa. Caso fosse federal, nossa esperança era o Prof. Roberto Santos, presidente do Conselho Federal de Educação.

Em seguida, ouvimos o prefeito de Feira, João Durval Car- neiro. Dele recebemos palavras de entusiasmo, e integral apoio.

Para que o plano surtisse o efeito esperado, necessitáva- mos apenas de dois ou três professores universitários de Salvador para elaboração do projeto.

Depois de cuidadosa pesquisa, identifiquei em Plínio Garcês de Sena e Ruy Machado da Silva, as pessoas procuradas.

A grande maioria dos feirenses não tomou conhecimento, mas a verdade é que ambos trabalharam com entusiasmo em prol .de Feira de Santana.

O fato não pode ser omitido, faz parte da História.

Plínio Garcez de Sena era um neurologista famoso, Livre Docente de renome, autor de vários trabalhos científicos publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Prepara-se, na época, para disputar a cátedra de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Tornou-se logo depois, Professor Titular e Diretor da Faculdade.

Rui Machado da Silvauma nasceu em uma família bem estruturada, de grande prole, radicada na rua da Mangueira, em Salvador. Família numerosa, de pouco recurso financeiro, “sem convívio direto com letrados e doutores”.

Teve nove irmãos, mas foi o único a atender aos apelos maternos, pelo que alcançou um curso superior.

Entrou na Faculdade de Medicina, onde se destacou como um dos melhores alunos. Uma vez diplomado, prestou novo concurso vestibular e realizou mais um curso universitário, o de Filosofia.

Iniciou a clínica nos bairros periféricos de Salvador e ingressou na vida acadêmica.

Em uma época em que as nomeações dependiam da indicação dos catedráticos, fez questão de se submeter à defesa de tese para obtenção do Doutorado e da Docência Livre, prestando concursos públicos de títulos e provas.

Sua tese sobre leptospirose é uma obra clássica nos anais da clínica contemporânea, bem como os trabalhos por ele publica- dos ao longo de sua brilhante carreira de médico e filósofo.

Ao convida-lo para lutar por uma Faculdade de Medicina em Feira de Santana, indagou:

— Por onde devemos começar ? Contem comigo!

                                                                                       *

Os trabalhos em prol da Faculdade tiveram início no primeiro trimestre de 1968.

O prefeito João Durval Carneiro financiou as despesas do  projeto.

Ruy Machado  e   Plínio  Garcês  de Sena  partiram,  respectivamente, para Campina Grande e Rio de Janeiro, com o objetivo de observarem o funcionamento e a organização das Faculdades de Medicina.

Campina Grande era uma cidade de características semelhantes às de Feira de Santana e ostentava o título de ser a primeira cidade do interior nordestino a possuir uma Faculdade de Medicina.

A mim coube a tarefa de observar a Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Brasília, contando para isso com a colaboração do deputado Wilson Falcão.

Com base nos relatórios apresentados, fui encarregado de elaborar o projeto da Faculdade de Medicina de Feira de Santana.

Concluído o projeto, Wilson expressou o desejo de ouvir o reitor da Universidade Nacional de Brasília.

                                                                                        *

Na manhã de 29 de agosto de 1968 rumamos para a Asa Norte e entramos na Universidade. Penetramos no gabinete do reitor e, quando íamos anunciar a nossa presença, aconteceu o inesperado.

A situação do país era a pior possível. A tensão social e o clima de descontentamento diante da violência com que as forças de segurança agiam, tinham atingido o clímax. O exército e a polícia, naquela madrugada, tinham invadido o campus universitário, colocando sob custódia vários estudantes e professores.

Logo após a nossa chegada, a ocupação da Universidade se tornou evidente. Professores, estudantes e funcionários foram retirados à força das salas de aula, dos laboratórios e das dependências da reitoria, onde estávamos.

Todos foram colocados no pátio central. A justificativa era o cumprimento do mandato de prisão do presidente do Diretório Central dos Estudantes, Honestino Guimarães. A resistência estudantil provocou os atos de violência, os quais foram aumentando no decorrer da manhã.

As agressões praticadas pelos militares repercutiram no Congresso. Tomamos conhecimento do fato quando vimos várias pessoas, aos gritos, sendo perseguidas por soldados fortemente armados.

Ao meu lado, dentre vários estudantes, vi dois ou três banhados de sangue. Um deles chorava e dizia, aos gritos, que tinha sido preso durante a madrugada, e torturado.

Não sei explicar como, mas o fato é que saímos da reitoria.

Quando dei por mim, estávamos nos limites da Universida- de, cercados por soldados. Um deles, um oficial do Exército, dirigiu- se para Wilson e indagou o que estávamos fazendo ali, no meio daquele tumulto. Wilson tirou sua carteira de congressista e se identificou, afirmando que éramos deputados federais e que tínhamos sido enviados para verificar a ocorrência.

A mim, felizmente, nada indagou.

Em seguida advertiu que nós, por medida de segurança, não deveríamos circular livremente e colocou outro oficial à nossa disposição. A Wilson respondeu que nossa missão estava cumprida e que já tínhamos presenciado o bastante.

A invasão da UNB repercutiu no Congresso. Vários discursos foram pronunciados contra o regime militar. Um deles conclamou o boicote aos festejos de 7 de setembro e serviu de pretexto para que fosse baixado o Ato Institucional Número 5, o mais terrível de todos os Atos Institucionais.

Lamentando o desastre que foi a tentativa de criar uma Faculdade de Medicina em Feira de Santana, ficamos a espera de outra oportunidade.

Desistir de ver uma Universidade em Feira, nunca ! Assim terminou o ano de 1968 .

                                                AS PEDRINHAS DA VIDA

 Certo dia recebi pela Internet uma mensagem de autoria de Luiza Olathe. A mensagem, denominada “As Pedrinhas da Nossa Vida”, dizia mais ou menos o seguinte:

Um viandante caminhava sozinho pela praia numa linda noite de luar, pensando em mil maneiras de ser feliz : um carro novo, uma  casa grande e bonita, um emprego rendoso, uma linda esposa e coisas que tais, quando tropeçou em uma pequena sacola cheia de pedras.

Abriu a sacola e, desiludido, começou a jogar as pedrinhas, uma após outra, no mar, enquanto dizia:

  • Seria feliz se tivesse, ao invés desta miserável sacola, um carro novo …
  • Seria feliz se tivesse, ao invés desta miserável sacola, uma casa grande e ..
  • Seria feliz se tivesse, ao invés desta miserável sacola, um emprego ..
  • Seria feliz se tivesse, ao invés desta miserável sacola, uma linda esposa ..

E assim o viandante foi andando até que na sacola restou uma única pedrinha.

Ao chegar em sua casa descobriu que a última pedrinha era um diamante muito valioso e, assombrado, perguntou a si mesmo:

  • Meu Deus, quantos diamantes eu joguei no mar, sem ao menos olhar para pensar ?

A autora termina a mensagem dizendo:

Assim são as pessoas: Jogam fora seus preciosos tesouros por estarem esperando o que acreditam ser perfeito ou sonhando e desejando o que não têm, sem dar valor ao que possuem. Se olhassem ao redor, parando para observar, perceberiam quão afortunadas são. Muito perto de si está sua felicidade. Cada pedrinha da vida deve ser observada: ela pode ser um diamante valioso. Depende de cada um de nós, aproveita-lo ou lança-lo ao mar para nunca mais recuperá-lo” !

Desiludido, decepcionado, perdi o projeto da Faculdade de Medicina de Feira de Santana. Não sei se no desespero daquela manhã, o esqueci na ante-sala do reitor da UNB, não sei se, como aquele viandante, o joguei fora, como se fosse mais uma pedrinha da vida.

De qualquer forma eu me enganei. Aquela pedrinha, talvez jogada no mar da desilusão, era na verdade um diamante.

Um diamante que iria transformar em realidade o meu sonho de tantos e tantos anos !

É que, no dia 26 de novembro de 1969, às 11 horas da manhã, estando eu ainda atormentado com a morte do meu tio Oscar, Wilson Falcão me telefonou, perguntando:

  • Geraldo, você tem uma cópia daquele projeto da Faculdade de Medicina de Feira de Santana ? Hoje, às 16 horas, no Palácio de Ondina, temos uma audiência com o Governador Luiz Viana Filho. Seria bom leva-lo para apreciação.

Ao chegarmos ao Palácio, dissemos ao governador que o projeto não estava em nossas mãos, o que não importava muito porque na verdade nosso desejo não era uma Faculdade de Medicina mas uma Universidade. O governador, aquele homem de visão ampla e objetiva, aquela inteligência viva que enxergava longe, interrompeu nossa exposição e indagou:

  • Porquê não ? Vamos pensar alto, Feira merece. Vamos criar uma Universidade, uma Universidade Estadual.

Eu olhei para Wilson, Wilson olhou para mim, parecíamos estar sonhando. Aquele encontro era real ? Balbuciamos mais ou menos o seguinte:

  • É verdade, Este é o nosso objetivo, este é o sonho de todos os feirenses. Feira merece uma Universidade !

Três dias depois, em 29 de novembro de 1969, o Diário Oficial publicou o decreto nº 21.583, de 28 de novembro, dispondo sobre a instalação da Fundação Universidade de Feira de Santana. O aludido decreto, no seu artigo 4º, constituía uma comissão composta pelos senhores Joaquim Vieira de Azevedo Coutinho Neto, Geraldo Leite e Maria Cristina de Oliveira Menezes, para elaborar o anteprojeto para implantação da Fundação.

E assim nasceu a UEFS…

—————————————-

GERALDO LEITE – Médico, ex-presidente da Fundação Universidade de Feira, ex-reitor da UEFS, Prof. Titular de Parasitologia, ex-diretor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, ex-conselheiro da Fundação Bahiana Para Desenvolvimento das Ciências, do Instituto Brasileiro de Medicina Preventiva e do Instituto Brasileiro de Oftalmologia e Prevenção da Cegueira, membro efetivo das Academias de Medicina da Bahia, de Cultura da Bahia, de Educação de Feira de Santana e Baiana de Educação, Presidente do Instituto Geraldo Leite e da Fundação José Silveira.