OS MOVIMENTOS CULTURAIS DA FEIRA DE SANTANA – Um pouco da História de Feira: O que foi o Grupo de Estudos Arlindo Pitombo.

Revendo velhos arquivos eis que me deparo com esta foto: Dival, Floriano (dois saudosos companheiros na tarefa de garimpar Cultura) e eu, no dia de meu aniversário, num ano perdido numa dessas dobras do Tempo. A foto é tão antiga que, além da falta de nitidez, parece conter, afora as pessoas, um vaso com samambaias, mas, nas verdade, são manchas pela antiguidade da foto e a falta de cuidado em guardar coisas que podem se transformar em relíquias…

Lembro-me do fato, ocorreu nos primórdios da década de 1980: Era um 11 de dezembro e o local do encontro, a minha antiga residência da Rua Santo Agostinho. O pessoal que ali estava fazia parte do “Grupo de Estudos Arlindo Pitombo e se fez presente ao meu aniversário. Eu amava este grupo, sempre muito unido! As reuniões aconteciam aos sábados e quando eram dadas como encerradas, Dival ia para casa e, aí, o clima era outro! A história a seguir contei na Revista “FEIRA DE SANT´ÁNNA – Histórias e Estórias dos Séculos XIX e XX Escritas a cinquenta mãos”), Edição Especial da Revista do IHGFS, no ano de 2015, e faço questão de transcreve-la aqui por ser um dos retratos de uma época, em Feira de Santana, quando nossa cidade tinha diversos segmentos culturais, movimentos que ficaram perdidos nas dobras do Tempo…  Eis o artigo:

ERA UMA VEZ, A CULTURA…

Diferentemente de hoje em dia, em Feira de Santana, existiram diversas agremiações ou grupos que se reuniam para cometer Poesia ou discutir os mais diversos segmentos das artes. Um dos primeiros fazia reuniões da Rua Conselheiro Franco, Confeitaria Aurora, aos domingos. O proprietário era Pedro Apóstolo Filho, poeta, sempre reunindo pessoas nos fundos da loja para discutir Cultura, oportunidade em que eram lidos os trabalhos de quem comparecia. Ali foi lançada a semente da Academia Feirense de Letras, posteriormente fundada em 1976, no auditório da Loja Maçônica Harmonia, Luz e Sigilo, por jovens entusiastas pela Cultura, como Benjamim Batista e Djalma Gomes. Estes jovens disseminaram a semente de uma Casa de Cultura e na plêiade de intelectuais frequentadores das domingueiras da Confeitaria Aurora encontraram terreno fértil. Surgiram outros grupos, como o Hera, composto de jovens escritores, poetas e artistas plásticos, comandados por Antônio Brasileiro e Juracy Dórea. O Hera teve uma grande efervescência e durante sua vida ativa editou uma revista, entre 1972 e 2005, com obras de nomes como os próprios dirigentes, Roberval Pereyer, Outran Borges, Assis Freitas Filho, Washington Queiroz e muitos outros valores. Hoje, embora não desfeito oficialmente, o grupo está em (perdoem o estrangeirismo) “standby” e já não se reúne com a frequência de antigamente. Este mesmo grupo deu origem ao conhecido “Chocalho de Cabra”, que congrega artistas plásticos, e alguns dos seus membros passaram a editar a revista “Légua e Meia”. O “Chocalho” durante muito tempo desempenhou um belo papel na paisagem feirense, enfeitando os muros da cidade com sua arte.

Em 1973, um dos maiores incentivadores destes grupos, o professor Manoel do Christo Planzo, já fazia impressões de livros, revistinhas e pequenos jornais num mimeógrafo a óleo, comprado a duras penas com seu salário de professor, mantido em sua residência, para ajudar o pessoal que não tinha dinheiro para publicar suas criações. Além disso, era um excelente fotógrafo e registrou muitos dos eventos culturais da cidade, na maioria dos casos, sem ônus para quem os promovia. Planzo é uma saudosa lembrança e excelente caráter. Nosso professor conseguiu reunir a fina flor da Cultura e da Arte em sua casa para magistrais saraus e chamou o espaço de “O Cortiço”. Estiveram presentes as tertúlias nomes como Alberto Boaventura, Antônio Lopes, Juracy Dórea, Olney São Paulo, Vivaldo Lima, Luiz Ademir Souza e tantos outros.

Mas, quero dar destaque aqui a algo que aconteceu entre as décadas 70 e 80: a criação do Grupo de Estudos Arlindo Pitombo. Participei dele e, para mim, foram dias de muita alegria e realização própria. Aos sábados, num ideia do sempre dinâmico Planzo, nos encontrávamos para discutir prosa e verso. As reuniões aconteciam por volta das 10h30m/ 11h da manhã, no Clube Harmonia no Parque Getúlio Vargas, cedido pela Maçonaria feirense Harmonia, Luiz e Sigilo (graças ao prestígio do poeta Alberto Boaventura, respeitável Mestre Maçônico, com trânsito em todas as Lojas da cidade). Lembro-me de alguns nomes que, como eu, estavam sempre presentes: Floriano Melo, o próprio Alberto, Professor Planzo e sua Tânia, Djalma Gomes, Paulo Mariani, Evandro Cardoso, Franklin Machado, José Luiz Navarro, Raimundo Melo, Dival Pitombo, Profa. Julieta Araújo, Vera Cedraz (sempre acompanhada do filho, à época um garotinho) e outros intelectuais que a memória teima em esquecer… Tínhamos um coordenador, um secretário e um tesoureiro. Tudo era registrado em ata e, periodicamente, o Mestre Planzo publicava um boletim com as notícias e criações literárias dos participantes. Deste acervo, possuo um e guardo com muito carinho um dos números. A tertúlia tinha um começo formal e depois passávamos à parte literária. Durante horas ficávamos lendo e ouvindo os grandes mestres (havia música clássica, sim, senhor!), além de apresentar nossas próprias criações e discuti-las. Lembramos, assim, o que dizia Alberto Boaventura, em, tom de brincadeira: “- Vamos deixar de modéstia: nós é que somos os artista principais, os porretas!”. Essa espécie de sarau diurno ocorria de maneira espartana, à base de água para, apenas, “molhar a garganta”, principalmente porque os mais conservadores como o mestre Dival Pitombo, não admitiam a mistura literatura com álcool.

Foram momentos mágicos! Depois de uma semana voltada para os afazeres, as agruras da sobrevivência física, alimentávamos a alma com nosso alimento predileto: Cultura. Vez por outra, alguém trazia um convidado que mostrava algum trabalho de sua lavra, fazia uma palestra ou, simplesmente, participava do grupo. Mercê do ambiente espontâneo e amigo, dentro em pouco, o visitante tornava-se “velho companheiro” e voltava, vez por outra.

Quando encerrávamos os trabalhos, entre 14 e 15 horas, Dival ia para casa e o resto do pessoal ia para um barzinho numa das transversais da Rua Mato Grosso, na Brasília, onde nos aguardavam algumas cervejas geladas e uma deliciosa maniçoba. Lá, nem de perto parecíamos aquele grupo sisudo de intelectuais que demonstrávamos ser sob a batuta de Dival! Literalmente, éramos uns “sonsos”! Num ambiente descontraído, sorvendo a bebida refrescante e na expectativa do prato típico, formava-se uma plateia e alegre que, diferente daquela de intelectuais reunidos havia pouco, aplaudia declamações mais entusiasmadas e as citações mais bombásticas feitas, por vezes, em cima de um tamborete mambembe. O barzinho simples, naqueles tardes sabatinas, parecia um teatro onde todos viravam plateia e atração. Lembro-me bem do episódio que deu origem a um poema do meu livro, “O Eu Encurralado”, editado em 1987, poema que, muito propriamente, intitulei de “O Menino do Fim da Tarde”. Batendo papo, Vera disse que o seu filho fazia seis anos naquele dia. Dentro em pouco, todos sabiam e a criança foi homenageada com o indefectível “Parabéns pra você”, todos batendo palmas. Vendo o entusiasmo dos adultos, o menino irrompeu num choro baixinho, certamente agradecido e feliz. Eu fiquei com os olhos lacrimejantes e, de improviso, rabisquei estes versos que em seguida

“Você, menino, numa mesa de bar,

Tão quieto, tão puro, tão amigo…

Você, menino, me emocionou!

E, como se mágico fosse,

Você nos remoçou.

Com uma alegria infantil

Cantamos o “parabéns pra você”

E o centro das homenagens

Encolheu-se na cadeira,

Mudo, estatelado de espanto…

Depois, de maneira às avessas,

Não recebeu presentes

Mas a todos pagou com duas lágrimas:

Uma de alegria e outra de inocência! …”

Vez por outra, por ocasiões dos aniversários, as reuniões aconteciam na casa do homenageado do dia e, não raro, a reunião diurna transformava-se em serestas entremeadas com declamações varando a madrugada e fazendo com que velhas canções, versos e trechos literários ecoassem na noite até o dia amanhecer.

Foi assim que, em minha antiga casa, foi batizado o “barzinho Vinicius de Moraes”, num canto de nossa varanda, com direito a placa comemorativa e tudo, descerrada pelo Mestre Dival que, pouco afeito a coisas da espécie, ria a bandeiras despregadas com as farras dos amigos. Ele sempre dizia que não concordava com essa parte das reuniões, mas – paciência!  – aprovava! …

O Grupo Arlindo Pitombo, extra reuniões, foi uma bela boêmia literária que está inserida na história feirense mas o tempo e as injunções da vida se encarregaram de viram mais esta página: os encontros foram espaçando aos poucos, até que não mais aconteceram…

Infelizmente!