WAGNER BONFIM: “Um aprendiz na Academia Feirense de Letras” .

          Os gregos antigos diziam que a sede da alma era o coração, ali residiria todos os sentimentos. Portanto, vem do coração esse contentamento, esse agradecimento por estar aqui iniciando essa convivência com representantes das letras de Feira de Santana.

          Quis o acaso ou a necessidade, o aleatório ou a intencionalidade da Academia que eu fosse indicado a ocupar a cadeira de número 09 da AFL cujo patrono é Honorato Bomfim.

          Haverão de perguntar sobre um possível parentesco, confesso não saber se temos antepassados comuns. Talvez lá atrás, haja vista que a família Bomfim, oriunda de Portugal preferencialmente veio a se radicar na Bahia. Essa seria a 1ª coincidência.

          A 2ª deveu-se à profissão que abraçamos, a Medicina e com dedicação em particular a arte da Obstetrícia e os meandros da alma feminina na opção pela especialidade da Ginecologia clínico cirúrgica, que busco desvendar e, creio, sei que não conseguirei perscrutar os seus mistérios.

         Outras coincidências menores se mostram nessa indicação, posto que, assim como o Dr. Honorato Bomfim nasceu e viveu entre o fim de um século (XIX) até metade do século XX ele conviveu com a primeira e segunda guerras. Há cem anos a pandemia de gripe espanhola assombrava o mundo, período em que o Dr. Honorato Bomfim aqui se radicou, numa Feira de Santana rural, provinciana, para exercer a prática médica como Gineco-Obstetra e Clínico Geral. Numa cidade onde 80% da população não sabia ler e escrever o Dr. Honorato se sobressaia, detinha um conhecimento invulgar, extenso. Era um poliglota, autodidata, fazendo-o exercer também a atividade de professor na Escola Normal (atual Cuca) e depois no Santanópolis.

Poliglota, o poeta também fazia poemas em Inglês e Francês

           Costumava publicar seus poemas e crônicas no antigo jornal A Folha do Norte cuja atuação nas letras foi marcada por uma poética gauche numa Feira de Santana pequena, conservadora. Sua lírica de cunho primordialmente parnasiana, portanto, enfrentava a disputa de estilos frente aos cânones imperdoáveis da época – os modernistas- era marcada pelos sentimentos comuns aos homens.

          Nominado de passadista, sobretudo pela posição pequeno burguesa e pelos conflitos existenciais entre o mundo material e sua formação cristã tinha no nascer, no morrer, amores e dores, infortúnios marcados na sua lírica um pouco romântica, um pouco simbolista, conflitava com as novas linguagens artísticas, literárias, vindas do sudeste do país bem como da capital baiana com poetas e escritores da Revista Arco e Flecha. Permaneceu contudo fiel à forma sobejando na escrita as regras parnasianas de métrica e rima a despeito de esparsas tentativas de expressar-se em novas linguagens porém conservando as estruturas semânticas, léxicas dos estilos anteriores.

Hoje, passados um século, findo mais um verão e honrado por ocupar tão importante cadeira.

          Assim como H.B. um escritor múltiplo, conforme designação da Prof. Dra. Evelise Hoisel (UFBA), posto que exercia a medicina como oficio, o magistério, era também poeta e cronista. Entre a medicina, minha profissão

e as letras prefiro entender-me como um aprendiz em busca de uma medicina mais humana, menos industrial e mais igualitária e sendo redundante, mais humanizada. Nas letras, incorrigivelmente apaixonado mas afeito ao aprofundamento das transformações da língua e da literatura.

         Nos deparamos hoje com uma guerra, hibrida, onde o concreto e o fantástico coexistem, a Tecnologia da Informação e o que chamaria de Tecnologia da Desinformação, as fake news, são partes do nosso dia a dia.

          Como a 100 anos atrás convivemos com uma pandemia, ceifando vidas, projetos, amores. Sofrimentos expressos nas artes plásticas, no teatro e cinema, na música e nas letras.

          Diferente do passado, não temos um padrão acadêmico a ser combatido, embates entre escolas, estilos a serem suplantados como se melhor um se sobrepusesse ao outro, vez que qualquer um que sucede sempre guarda traços de seus anteriores numa intertextualidade inevitável.

         Vivemos o tempo da poesia moderna, concreta, marginal, da cultura Hip Hop, do muro, do tapume, da tela, tecido, qualquer tinta ou cor, do computador, do autidor. Todas são ferramentas, como dizia o grande Professor Milton Santos, que o homem desenvolve de formas a imprimir nossas marcas no mundo, a transforma-lo.

         Seja através do Eu – a lírica, a expressão artística, seja através do coletivo, do acadêmico e suas ferramentas, ditando formatos da sua arte, muito além do crítico, muito além da crítica, sem desmerecer e claro a sua importância.

         A letra inconformada, num tempo intransitivo, pronta para ser consumida, não se conforma com um padrão. É mutação, como a língua, como as línguas que distanciam e que se beijam ao longo da história.

         A minha letra pode ser a chama que aquece um chá ou café de fim de tarde, pode ser o alucinógeno das noites insones ou a endorfina da luz do dia. Tudo como marca do nosso tempo. Tudo como a nossa marca na história!

Obrigado!